[Concurso de contos] Capitão a bordo, de Gabrielle Ferreira Santos

[Concurso de contos] Capitão a bordo, de Gabrielle Ferreira Santos
Quando o box Um ano de histórias, do reverendo Emilio Garofalo, foi lançado, a Thomas Nelson criou um concurso especial para os apaixonados por ficção cristã. Os participantes deveriam deixar a criatividade fluir em histórias de qualquer gênero literário — sci-fi, romance, epistolar, mistério, policial, fantástico, etc.

Depois de ler textos criativos e analisar cada um deles, a equipe da Thomas Nelson e o autor selecionaram 3 contos de ficção cristã para serem publicados aqui no blog da editora. 

Abaixo você confere — e se inspira — com as histórias vencedoras:

 

Conheça o conto "Capitão a bordo",  por Gabrielle Ferreira Santos:

Aquela quinta-feira foi um dia intenso no trabalho. Mas não foi só aquele dia. Há muitas semanas, certas indagações e aflições não largavam minha mente. Estava tão exausto que peguei no sono sem demora e tive um dos sonhos mais estranhos da vida.

Acordei num piso de madeira, o sol estava queimando meu rosto. Fiquei alguns segundos encarando algo que parecia uma roda de madeira, que estava presa a uma coluna também de madeira.

Virei o corpo, decidi me levantar e, para minha surpresa, logo identifiquei o cenário: eu estava a bordo de um navio em pleno alto mar. Não era luxuoso, tipo Titanic, era mais parecido com os navios das grandes navegações (ou de piratas, para ser mais exato). A roda de madeira era o leme e tive a estranha sensação de ser o capitão. Talvez fosse o sol quente, mas logo você verá que não foi

Olhei para o convés logo abaixo e vi vários marujos espalhados. Alguns conversavam e davam gargalhadas, outros jogavam cartas e faziam apostas, outros estavam comendo e bebendo e acho que apenas dois se ocupavam com tarefas úteis - consertavam as redes de pesca ou limpavam uma das cabines.

Aproximei-me de um marujo que terminara de limpar uma cabine. Ele usava uma bandana verde xadrez, pois o sol estava intenso. Quando me viu, disse:

— Olá, capitão! Que bom que voltou!

Isso confirmou minha sensação, mas ainda fiquei constrangido, pois parecia que o marujo me reconhecera de imediato, enquanto eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Perguntei:

— Ah! Oi, marujo! Sabe, o sol está tão quente… acho que não estou muito bem… poderia me informar para onde estamos indo?

Bom, capitão, pra falar a verdade, não sei te explicar direito. Sei que o senhor já nos disse várias vezes, mas peço perdão, não consegui prestar atenção… geralmente os outros marujos acabam me distraindo. Mas o senhor sempre anota até onde chegamos no seu diário de bordo. Está na sua cabine, que eu acabei de limpar. Entra e aproveita para beber alguma coisa, o calor realmente está castigando.

Entrei na cabine, bebi bons goles de água e me senti melhor. Sentei-me à mesa e comecei a olhar os mapas e o diário de bordo. Não me lembro do que estava escrito (essa é aquela parte do sonho em que as coisas não ficam muito claras), mas assim que terminei a consulta já sabia o que fazer.

Retornei à parte superior do convés e fiz meu pronunciamento, agora convencido de que eu era o capitão:

— Marujos! Vamos prosseguir viagem! Há muita coisa a ser feita! Primeiro, preciso que três de vocês inspecionem o porão para…

— Ah, chefia…. mas hoje o sol não está cooperando… Por que não abrimos mais cerveja para refrescar e deixamos o trabalho duro para amanhã?

Interrompeu-me um marujo que estava comendo um pedaço de queijo. Ouvi um rumor de aprovação dos outros marujos e um esboço de uma cantiga festiva, mas logo interrompi:

— Esperem! Escutem! Podemos comemorar com cerveja assim que o trabalho estiver terminado, mas não podemos nos esquivar daquilo que é necessário para prosseguir.

Ainda passaram alguns minutos até convencê-los do trabalho que precisava ser feito, mas, no fim, encaminharam-se para as tarefas. É verdade que a maioria dispersava ou fazia pausas frequentes para contar uma piada.

O marujo da bandana verde xadrez era muito determinado e, ao lado dele, estava outro marujo muito aplicado, que tinha um pequeno canivete pendurado no cinto, usava-o com muita habilidade. Aproximei-me deste e perguntei:

— Os marujos de modo geral são sempre assim?

— Ah, capitão, sim. Eles são muito agitados. Estão sempre prontos para se divertir, mas não compreendem a importância da viagem. Lembro-me de que, há algumas semanas, o senhor teve que dividi-los em pequenos grupos, separando os melhores amigos, a fim de que as tarefas fossem feitas sem muitas interrupções. Quase conseguimos fazer tudo o que estava proposto no dia.

— Você compreende a importância da viagem, marujo?

— Sim, capitão, desde o seu primeiro discurso.

Que consolo foi ouvir isso daquele marujo. Seu amigo, o da bandana verde xadrez, olhou-me e deu um sorriso. Pelo menos dois dos meus marujos estavam prontos para cooperar com a viagem.

De repente, ouvi um ruído alto e grave, parecia com uma trompa de orquestra, não durou mais que cinco segundos.

 

2

 

Sem explicação, vi-me em outro barco, muito semelhante ao primeiro, mas não idêntico.

Desta vez, estava de pé em frente ao leme. A sensação de ser o capitão ainda prevalecia.

Dei uma olhada no convés inferior e notei que eram outros marujos, diferentes do primeiro barco. Pareciam estar entediados, vários dormiam, alguns olhavam para o mar e faziam breves comentários, outros jogavam uma pequena bola em direção a um barril e a pegavam de volta, sem muita animação.

Notei um pequeno marujo magrelo que escrevia em um pedaço de papel. Ele estava sentado tentando aproveitar uma parte da sombra do mastro. Aproximei-me dele:

— Olá, marujo!

— Olá, capitão - Disse ele, fazendo uma breve reverência, mas sem muita empolgação.

— Por que todos estão tão desanimados?

— Não sei… Já faz muito tempo que estamos assim. No começo eu até tinha vontade de prosseguir viagem, mas acabei me convencendo de que não vale a pena… São muitos os perigos que temos que enfrentar… não estamos preparados…

— Ah, marujo, mas ainda estamos em tempo de nos preparar! Vamos! Anime-se!

Ele esboçou um sorriso, mas não conseguiu concluir e olhou em direção ao mar. Fiquei alguns segundos observando os marujos ao redor e tentando decidir o que faria. Resolvi tentar um discurso:

— Marujos! Levantem-se! Há uma jornada incrível nos aguardando! Mas precisamos arrumar algumas coisas por aqui. Quantos poderiam ficar responsáveis pela vela dianteira esquerda? Há um rasgo enorme nela.

Alguns marujos me olharam, mas nenhum respondeu. Continuei:

— Bem, se preferirem, temos que consertar o casco da proa, se houver uma tempestade, pode entrar muita água por ali…

Sem reação.

— Que tal prepararmos uma refeição antes de começar as tarefas?

O marujo magrelo se levantou, chamou outro marujo que olhava para o mar e veio em minha direção:

— Podemos preparar a refeição, capitão, quem sabe isso não os anima, né?

— Ótimo, marujo! Sei que fará o seu melhor!

Enquanto eles se dirigiam para a cozinha, os outros continuavam a fazer aquilo que já faziam: nada. Subi e dei uma olhada na bússola que estava em meu bolso, estávamos bem fora da rota. Dei algumas voltas no leme até alinhar o navio com a direção apontada pela bússola. Passei alguns minutos tentando decidir o que faria com aquela tripulação, bem diferente da primeira. Depois de pensar, decidi tentar um novo discurso:

— Marujos! Gostaria de lhes falar sobre…

Novamente ouvi o som da trompa. De modo rápido, tentei olhar para os lados para identificar de onde vinha o barulho, mas não consegui… De novo, vi-me em outro barco, porém, não era como o primeiro,  nem como o segundo, parecia bem mais arrumado.

E, para a minha surpresa, ouvi…

 

3

 

— Ei, capitão! Vejam, pessoal, o capitão voltou!

— Ei, capitão, como vai essa maré?

— Que trocadilho péssimo, Pé Grande!

— Ora, pelo menos tenho senso de humor, Barba Rala!

A tripulação era diferente da primeira e da segunda. Parecia ser menor do que as outras, mas o ar daquele navio era totalmente diferente. Era de alegria e esperança. Os marujos conversavam amigavelmente enquanto se ocupavam de pequenas tarefas ou se entretinham em jogar bolas dentro dos barris.

Após o pronunciamento daqueles dois marujos, todos olharam em minha direção e vibraram. Pé Grande disse:

— O que vamos fazer hoje, capitão? Poderíamos treinar tiro de canhão, hein?

— Quantas vezes você vai fazer essa proposta? Não estamos numa guerra! Temos outras tarefas mais importantes…

— Nunca se sabe se uma guerra vai acontecer, mas... fique quieto, Barba Rala, deixe o capitão falar!

Todos estavam em silêncio, esperando meu discurso começar:

— Olá, caros marujos! É bom revê-los com toda essa animação! Hoje, preciso que um grupo se encarregue de inspecionar a cabine de armazenamento de suprimentos, desconfio que há algum tipo de traça lá…

Imediatamente, três marujos levantaram a mão se dispondo a fazer o serviço. E assim foi a cada nova tarefa que eu anunciava, de modo que todos se ocuparam com algum serviço. Barba Rala e Pé Grande decidiram trabalhar juntos no mastro, era evidente a grande amizade que tinham.

Notei apenas um marujo um pouco cabisbaixo, trabalhava sozinho no convés superior próximo ao leme. Enquanto eu analisava a bússola, aproveitei para conversar com ele:

— E aí, marujo, quais são as novidades?

— Novidades? Acho que não temos… pelo menos eu não tenho…

— Hummm, entendi… Por que você preferiu trabalhar aqui, sozinho, deste lado do navio?

— Ninguém me chamou para trabalhar junto…

Achei bem estranho, pois não parecia que aqueles marujos tinham a intenção de não o acolher. Tentei conversar mais um pouco, mas ele pareceu bem fechado ao diálogo.

Olhei para a bússola, a direção estava impecavelmente correta e, ao ver todos aqueles marujos trabalhando, meu coração vibrou de alegria! Que tripulação!

Sem surpresas, ouvi novamente o barulho da trompa. Me deu um desânimo, pois eu não queria deixar aquela tripulação e pensava que não poderia encontrar uma melhor…

 

4

 

Para a minha surpresa, retornei ao primeiro navio, o dos festeiros. A maioria estava fazendo guerra de comida, enquanto o Verde Xadrez e o Canivete Suíço (eu não sabia seus nomes, mas, nessa altura do sonho, era certo que se chamavam assim) olhavam inconformados, sentados na proa, do outro lado do barco.

Avistaram-me de longe e vieram correndo, tentando se esquivar das comidas voadoras, embora Verde Xadrez aproveitasse para atirar um peixe em um marujo de quem não gostava muito.

— Capitão, nós tentamos alertá-los de que você já estava chegando, mas ninguém nos ouviu… desde que o último capitão começou a guerra de comida…

— Último capitão? - indaguei chocado.

— Sim… O Capitão Risadinha… Ele estava aqui antes de o senhor chegar…

— Risadinha?!

Eu não estava entendendo nada. Não achei que havia outro capitão. Os dois marujos se entreolharam confusos, percebi suas reações, tentei me recompor e perguntei:

— Bom… o que exatamente aconteceu?

Recebi na cara uma casca de laranja, fingi que nada aconteceu e continuei aguardando a resposta dos marujos. Verde Xadrez começou:

— É o seguinte, senhor capitão: Risadinha veio aqui e perguntou o que gostaríamos de fazer… Eu logo disse que precisava de ajuda para vedar um dos compartimentos dos dormitórios, notei que a parede estava molhada… Mas Queijo Mole (o marujo que sempre está mastigando uma fatia de queijo) me interrompeu e começou a implicar…

— Sim, e deu a brilhante ideia de fazer uma guerra de comida — acrescentou Canivete Suíço. — A princípio, Risadinha não concedeu, disse que tínhamos que fazer alguma tarefa importante, mas que, se sobrasse tempo, os marujos podiam se divertir com uma guerra de comida “moderada”.

— Acontece que alguém sugeriu que precisávamos limpar o convés superior (o que do meu ponto de vista não era necessário, pois eu já havia limpado há algumas horas). Então, todos se reuniram, passaram alguns minutos disfarçando que estavam limpando e logo avisaram ao Risadinha que já estava tudo limpo.

— Risadinha veio fiscalizar o convés superior, pois estava na cabine de comando, e viu que estava tudo certo. Então, autorizou a guerra de comida e atirou o primeiro peixe.

— Isso não faz sentido algum! — Exclamei de raiva. — Limpar para depois sujar!

Não consegui disfarçar a raiva que subia aos olhos. Fiz uma rápida inspeção nos marujos e percebi que Queijo Mole era o líder da algazarra. Fui resoluto até ele e, conforme eu passava no meio da guerra de comida, alguns marujos notavam minha presença e paravam a bagunça imediatamente.

Quando me aproximei de Queijo Mole, que estava de costas, segurei em seu ombro e o girei em direção a mim. Ele me olhou com uma risada debochada e, depois de alguns segundos, engoliu-a (com dificuldade), esperando meu discurso. Eu apenas disse:

—Vá para a minha cabine imediatamente!

Na cabine, fiz-lhe um longo discurso sobre a importância de mantermos o foco da viagem, como, para isso, precisávamos zelar pelo cuidado do navio e que ele não estava sendo uma boa influência para a tripulação. Ele me ouvia distraído, como se aquela não fosse a primeira vez que lhe diziam aquilo. Terminei entregando-lhe um escovão para limpar a bagunça, alertando-o que eu estaria de olho.

Retornei ao convés superior, dei instruções gerais para a limpeza do navio e, imediatamente, os marujos se organizaram, embora ainda eufóricos. Coloquei a mão no bolso procurando a bússola, mas, para a minha surpresa, encontrei meu relógio, idêntico ao que usava todos os dias. (Lembro-me de ter um daqueles pensamentos estranhos para um sonho – “engraçado este ser o único item que tenho certeza de que corresponde à realidade”). Logo coloquei o relógio no pulso e, quando vi o horário, o som da trompa voltou a ressoar.

Pela lógica, acho que eu já sabia onde iria parar…

 

5

 

Sim, estava de volta ao segundo navio, o dos indiferentes. Estavam iguais à última vez que os vi. Logo o marujo magricela se aproximou e me perguntou:

— Oi, capitão! O senhor gostaria de um pedaço de pão que fizemos da última vez em que o senhor esteve aqui?

— Claro, marujo! Perdoe-me perguntar, mas poderia dizer seu nome? Não me lembro…

— Tudo bem, os capitães se esquecem com frequência do meu nome. Sou o Mostarda.

— Sim, Mostarda! Agora me lembrei! E quem fez o pão com você?

— O Chinelo de Dedo.

Que estava ao lado de Mostarda, mas distraído olhando para os marujos amuados.

O pão não estava lá aquelas coisas, mas foi uma ótima oportunidade para conversar.

— Bom Mostarda, que tal se você e Chinelo de Dedo me ajudarem com a vela rasgada?

— Pode ser.

Tentei pedir individualmente aos outros marujos para também ajudarem, mas os que dormiam não acordavam de jeito nenhum.

Enquanto estávamos a bombordo arrumando a vela, notei algo que parecia ser um navio a quilômetros de distância. Não sei de onde surgiu uma luneta, mas logo me vi segurando-a em direção ao navio. Fiquei chocado ao entender o que estava vendo: era o navio dos festeiros, por onde eu tinha acabado de estar, e tinha outro capitão lá!

Fiquei alguns minutos observando como o capitão comandava. Embora não pudesse escutar o que dizia, percebi que suas instruções pareciam ser lançadas ao vento. Os marujos não estavam na algazarra anterior, mas estavam fingindo fazer algum trabalho enquanto davam risadinhas e se entreolhavam. Canivete Suíço e Verde Xadrez continuavam aplicados em suas tarefas e se comunicavam com o capitão, o qual parecia não notar o que os outros marujos faziam.

Perguntei ao Mostarda:

— Quem é aquele capitão no navio ali?

— É o próximo que virá aqui, o Capitão Tanto Faz.

— E como ele comanda aqui?

— Nada empolgante… Passa a maior parte do tempo dando instruções do que fazer. Os outros marujos não mexem uma palha, mas ele continua dando as instruções. Às vezes, eu e Chinelo de Dedo fazemos algumas tarefas, mas, ao terminarmos, ele logo passa outras… Parece não querer conversar… E, depois, vai embora.

— O Capitão Risadinha já esteve aqui?

— Sim, estava antes de o senhor chegar.

— Vocês gostam dele?

— Não sei dizer. Ele tenta nos animar com várias piadinhas, joguinhos e outras atividades. Os que estão acordados até se divertem um pouco, mas quando ele vai embora o problema continua. Já mostrei a ele algumas tarefas que fiz e ele me disse que, primeiro, eu precisava me sentir bem para depois fazer as tarefas. Não sei se concordo.

Olhei para o relógio e, já como o esperado, o som de trompa veio. Perguntei rapidamente ao Mostarda:

— De onde vem esse barulho?

— Também não sabemos, capitão. Até mais!

 

 

6

 

Lá estava eu, de volta ao navio dos marujos empenhados. Alguns se divertiam com malabarismo de laranjas, outros estavam sentados em roda conversando. Presumi que o Capitão Risadinha já tinha passado por ali, mas quando consultei a bússola e os mapas, vi que o navio ainda seguia na direção correta.

Quando me preparei para fazer um discurso aos marujos, vi Barba Rala fazendo uma carinha feliz no pé do Pé Grande, pois este dormia. Não pude evitar um sorriso.

— Marujos, é muito bom revê-los!

Pé Grande acordara de sobressalto, espantado por não ter percebido minha chegada. Barba Rala tentou disfarçar. Os outros marujos pararam o que estavam fazendo para me ouvir. Continuei:

— Fico feliz que estamos progredindo muito bem em nossa viagem e o navio parece estar em ordem. Como foi a inspeção na cabine de armazenamento?

— Havia um pouco de cupim, capitão, mas já solucionamos o problema — respondeu um dos marujos. — Enquanto estávamos verificando o ocorrido, encontramos um barril extra de guaraná, que não estava contabilizado.

— Maravilha! Tenho uma proposta: gostaria que todos se dedicassem à limpeza das cabines inferiores, os dormitórios e a cozinha, pois a cabine de armazenamento já está organizada. E, depois, podemos usar o tempo restante para desfrutar do barril extra de guaraná!

A alegria no convés foi geral e logo os marujos se dividiram em equipes para terminar a limpeza o quanto antes. Notei que um grupo chamara o marujo cabisbaixo para se juntar e ele os acompanhou um pouco receoso.

Não demorou muito para abrirmos o barril de guaraná e desfrutarmos daquela delícia. Aproveitei para conversar com meus queridos marujos, enquanto olhávamos a agitação do mar:

— Barba Rala, como se chama aquele marujo ali? — Apontei para aquele que estava cabisbaixo.

— É o Cotovelo, capitão.

— Já o notei distante do grupo uma vez. Vocês poderiam, sabe…

Pé Grande interferiu:

— Já tentamos, capitão. Os marujos deste navio sempre se preocupam com envolver todos em pelo menos uma atividade, com nunca deixar ninguém sozinho, mas o Cotovelo já rejeitou trabalhar em grupo algumas vezes. É uma pena, isso não faz bem para ele.

— Uma vez eu tentei conversar com ele a respeito disso — disse Barba Rala. — Ele me disse que se sente inferior ao grupo, sem muitas habilidades e que ninguém gostaria de se juntar a ele. Tentei mostrar que aquilo não era verdade, não sei se ele me ouviu. Às vezes ele se junta a alguns marujos, mas depois volta a ficar solitário. Se ele não quer…

— Entendo… — murmurei reflexivo, pensando em como poderia agir.

Pé Grande exclamou com sua voz grossa e intensa:

— Vejam, baleias!!!

Todos os marujos se dirigiram a estibordo para admirá-las. Pé Grande continuou, voltando-se para mim:

— É incrível o tamanho e a beleza desses animais. Somente esse imenso oceano poderia ser o lar perfeito para esses peixes gigantes.

— Baleias não são peixes, Pé Grande, são mamíferos.

— Mamíferos?! Que coisa curiosa, Barba Rala!

Aproveitei a oportunidade:

— E é por isso mesmo que elas se tornam ainda mais incríveis, Pé Grande. Como pode um mamífero deste tamanho habitar estes imensos oceanos? Isso revela a perfeição do plano do Criador.

— É verdade, capitão, o senhor já nos falou sobre o Criador outras vezes. Poderia nos falar mais?

Eu amava quando chegávamos nesse assunto, mas instintivamente olhei para o relógio e o som de trompa voltou a ressoar. Gritei rapidamente:

— Falaremos mais da próxima vez!

 

7

 

Barco dos festeiros. Cenário: competição de arremesso de facas, tentando acertar o alvo desenhado em um barril. Patético.

Olhei para o Canivete Suíço, que estava ao meu lado, pedi-lhe emprestado uma de suas facas. Dei mais alguns passos para frente, estendi o braço, respirei fundo e arremessei com gloriosa força. Acertei o alvo bem no meio, onde se formou uma rachadura no barril.

— Acabou a festa, marujos. Temos um campeão. De volta ao trabalho!

Enquanto Verde Xadrez e Canivete Suíço me olhavam espantados pelo que viram, procurei Queijo Mole com o olhar. Os olhos espantados dele encontraram os meus, junto com o sinal de dedos que dizia “estou de olho em você”.

Com alguns resmungos, os marujos festeiros se encaminharam para as tarefas sempre inacabadas, mas Verde Xadrez e Canivete Suíço me acompanharam rumo ao convés superior. Verde Xadrez perguntou:

— Capitão, é verdade que depois de chegarmos aos Portos Altos poderemos fazer nossa jornada do modo que quisermos?

— Quem disse isso? — perguntei intrigado.

— O Capitão Risadinha disse. Ainda comentou que é magnífico comandar um navio sem ter superiores, é uma liberdade ímpar!

— Não confio muito no Risadinha — disse Canivete Suíço.

— Bem, marujos, é verdade que você poderá se tornar capitão do seu próprio barco, mas você não pode comandar como bem entende. Precisará saber interpretar muito bem os mapas, a bússola e as estrelas, saber usar as ferramentas... Conheci alguns marujos que se tornaram “capitães” sem saber interpretar as estrelas. Elas sempre foram as mesmas, mas eles as interpretaram segundo sua vontade e chegaram aonde não desejavam.

— E o que aconteceu com eles, capitão?

— Sofreram muito… até na morte!

— Eles tinham tripulação?

— Mais ou menos. Não sei se posso chamar de tripulação. Há uma diferença entre um grupo de pessoas que se junta a você porque concorda com os seus ideais e um grupo de pessoas pelo qual você se torna deliberadamente responsável pela jornada, incluindo a segurança de cada uma. Ser capitão é ser responsável pelos marujos. Se não há marujos para se responsabilizar, não se é capitão.

Canivete Suíço olhou nos meus olhos e disse:

— Você gosta de ser nosso capitão?

Que pergunta difícil de responder! Não pude demorar muito, pois seria evidente a dificuldade:

— Olha, apesar da dificuldade peculiar que encontro em cada barco, inclusive aqui, eu sempre estou pronto para guiá-los em segurança até os Portos Altos. E fico muito feliz quando os marujos chegam lá sãos e salvos.

Dei-lhe um tapinha no ombro e ele continuou olhando fixamente para mim. Expressou uma reação resoluta, pois não era muito de sorrir, embora eu tenha desconfiado de que aquela resposta tenha alegrado o coração dele. Verde Xadrez interrompeu:

— Veja, capitão, parece ser uma tempestade, não é?

Olhei rapidamente com a luneta, ele estava certo. Logo, avisei-lhes:

— Marujos, quero que se esforcem para preparar as velas, há uma tempestade vindo! Se puderem convencer outros marujos a ajudarem, será ótimo. Caso contrário, fiquem tranquilos, estarei de volta, não os deixarei sozinhos. Sou o capitão de vocês!

 

8

 

Após o som de trompa, retornei ao barco dos indiferentes e, como o nome sugere, encontrei-os da mesma forma. Vi Mostarda sentado num canto, com o nariz vermelho e olhos inchados e molhados. Fui correndo em sua direção:

— O que houve, Mostarda?

— É a tempestade, capitão. Chinelo de Dedo estava lá em cima e desceu muito depressa para me contar que tinha avistado uma enorme tempestade em frente. Fomos falar com Risadinha, que estava bebendo na cabine principal… Ele não acreditou muito no começo, disse que éramos pessimistas demais. Insisti mais um pouco e ele disse que era melhor buscarmos nos proteger e deu de ombros. Acho que ele quis dizer que não vamos sobreviver...

E começou a chorar silenciosamente. Perguntei:

— Onde está o Chinelo de Dedo agora?

— Lá embaixo, acho que já desistiu.  As tempestades sempre vêm e sempre saímos feridos e desolados… nunca estamos prontos… Dessa vez acho que vamos morrer!

Sentei-me ao lado dele enquanto pensava no que fazer. Em alguns minutos, decidi:

— Mostarda, quero que você vá chamar Chinelo de Dedo e todos os marujos que encontrar lá embaixo. Diga que tenho um pronunciamento importante. Se algum marujo não lhe der ouvidos, você não será responsabilizado.

Mostarda enxugou o rosto e desceu até as cabines. Enquanto isso, eu cutucava todos os marujos espalhados pelo convés, chamando-os para prestar atenção, mas alguns ainda dormiam.

Posicionei-me em frente ao leme, esperei Mostarda e Chinelo de Dedo voltarem. Eles trouxeram apenas mais dois marujos. Então, comecei:

— Marujos, não sei se todos notaram, mas uma grande tempestade está vindo. Sei que já sofreram em outras tempestades, mas não podemos desistir nessa. Não sabemos o tamanho da força com que virá, mas não podemos ficar sem fazer nada, precisamos nos preparar.

Mostarda e Chinelo de Dedo eram os únicos que me olhavam, mas notei que muitos marujos olhavam fixamente para o chão de madeira. Acho que estavam pelo menos ouvindo.

— Talvez alguns de vocês se perguntem se vale a pena encarar a tempestade, se não seria mais fácil aceitar a derrota, mas quero que abracem a realidade dos Portos Altos. Sei que estamos quase chegando lá. Há pessoas que estão se preparando para nossa chegada. Será um ótimo período de descanso, reflexão e crescimento. Há muitos outros belos mares para explorar, com criaturas incríveis que são sombras de algo maior. Não podemos perder a beleza do porvir porque estamos diante de uma tempestade. Miramos no depois e tomamos coragem para o agora!

Depois do discurso, dei algumas orientações gerais sobre como deveríamos preparar o navio. Mostarda se aproximou:

— Capitão, eu ainda não me sinto pronto.

— Mostarda, você já deve ter ouvido a frase “mar calmo nunca fez bom marinheiro”. É a tempestade que nos prepara para desfrutarmos com muito mais alegria da melhor parte que vem depois. E não tenha medo, eu o ensinarei o que deve fazer a cada passo. Apenas confie e faça o que eu disser.

Solo do naipe dos metais: trompa.

 

9

 

— Capitão, é uma tempestade logo ali! — disse Pé Grande.

Notei que realmente ela estava mais próxima e parecia nada amigável.

— O que já fizeram para preparar o navio, Pé Grande?

— Bom, acho que já fizemos quase tudo… Barba Rala, você acha que falta algo para verificar?

— Não me lembro de ter visto alguém verificar as amarras das velas e as cordas de segurança.

— Ótimo! Barba Rala, divida os marujos em grupos para verificarem as amarras das velas, para checarem as cordas de segurança e descerem para verificar as boias e o bote de emergência. Insista com Cotovelo que você precisa da ajuda dele. Vou descer com o Pé Grande e já retorno.

Barba Rala concordou e chamou os marujos imediatamente. Pé Grande me acompanhou.

— Aonde estamos indo, capitão?

— Mexer nos canhões.

— O quê?! Mas não estamos em uma guerra!

— Espere até Barba Rala te ouvir dizendo isso… Olha, Pé Grande, estamos quase chegando aos Portos Altos e não posso encerrar a viagem sem antes lhe mostrar algumas lições sobre canhões. Tenho a impressão de que serão úteis nas suas viagens após os Portos Altos.

Ele ainda estava desacreditado, mas li seus lábios dizendo um silencioso e empolgado “isso!”. Chegamos ao compartimento dos canhões, só havia três. Mostrei-lhe cada parte, dizendo o nome e a função e simulei como fazia para dar um tiro.

— Incrível! Capitão, quem deve ser o primeiro alvo? O capitão do navio inimigo ou o primeiro-imediato? Talvez o atirador de canhão do outro barco…

— A princípio não miramos nas pessoas, miramos no barco e nas estruturas essenciais - velas, mastro, casco etc. O objetivo é acabar com o meio do inimigo avançar. Eles podem se render, podem pular e tentar se salvar ou morrer de coração duro e naufragar junto com o navio.

— Entendi! Mas e se os atiradores inimigos estiverem matando nossos homens?

— Aí você pode mirar neles, e somente neles. Todo atirador de canhão sabe disso e também sabe que corre o risco de morrer. Por isso, você precisa treinar muito bem sua mira, para que fique claro qual é o seu alvo.

Encerradas as lições sobre canhões, retornamos ao convés. Tudo estava em ordem e pronto para receber a tempestade. Dei um tapinha de aprovação no ombro de Barba Rala e me dirigi ao leme. De costas, pude ouvir Barba Rala chocado com o que Pé Grande tinha acabado de lhe contar.

Cheguei ao leme e olhei a bússola, estava apontando para a direção exata - o meio da tempestade. Dei um largo sorriso e exclamei:

— Marujos, todos em seus lugares! Vamos nessa!

Ouvi um grito de animação que encheu meu coração. E então, pela primeira vez, ouvi o trovão que abafava o som da trompa.

 

10

 

Nem dois segundos e eu já estava encharcado no barco dos festeiros. A tempestade estava violentíssima e provocava o mar para que este lhe mostrasse do que era capaz. Procurei pelos marujos, vi Verde Xadrez e Canivete Suíço segurando firmemente as amarras das velas. Logo dei um grito e acenei-lhes para que soubessem que eu estava a bordo. Verde Xadrez gritou:

— Risadinha nos tirou da rota!

Corri para o leme e retomei o controle. O navio estava indo na direção de contornar a tempestade, mesmo que isso não levasse aos Portos Altos, mas logo girei o leme de acordo com o que vi na bússola.

Então, notei que a tripulação fora reduzida pela metade, além de Verde Xadrez e Canivete Suíço havia alguns poucos marujos ajudando no convés, mas estavam inseguros, despreparados e perguntavam a todo instante o que deveriam fazer, sendo instruídos pelos únicos dois marujos determinados daquele navio.

Não vi Queijo Mole em lugar algum.

Vi que Canivete Suíço estava com certa dificuldade de controlar as amarras, prendi o leme para manter a direção e corri para ajudá-lo. Sua mão esquerda estava sangrando, então tomei as amarras de sua mão. Ele logo a enfaixou com um pedaço de pano e voltou a segurar as amarras. Como ele estava bem próximo, esforcei-me para que ele pudesse ouvir:

— As tempestades nos mostram que não temos total controle sobre a viagem. Não há marujo ou capitão que as impeçam de acontecer. O Criador dos mares, dos céus e da terra é o único soberano sobre tudo o que acontece. Ou você se inclina humildemente diante de Sua grandiosidade ou se afoga com sua arrogância de tentar controlar sua própria viagem.

Eu me referia à última conversa que havíamos tido e, novamente, Canivete Suíço me lançou o olhar resoluto. Permanecemos ali, lado a lado, até que o trovão acompanhado de um Ré Bemol ressoou novamente.

 

-.-.-.-

 

No barco dos indiferentes, o cenário estava pior: além de Mostarda e Chinelo de Dedo, apenas três marujos ajudavam. Ainda via os mesmos marujos dormindo, foi quando me passou pela cabeça a possibilidade de estarem mortos há muito tempo. Senti um arrepio.

Mostarda estava próximo à escada do convés superior, onde eu estava. Ele tentava segurar as amarras, mas, na verdade, eram as amarras que o seguravam, pois se não fossem elas, ele já teria levado vários tombos. Mas, fiquei feliz ao notar que ele não dava indícios de desistir.

De repente, um raio atingiu um barril muito próximo ao Chinelo de Dedo, que foi arremessado uns três metros à frente. Rapidamente, chamei Mostarda:

— Suba aqui, depressa! Preciso que segure o leme com todas as suas forças, tenho que socorrer Chinelo de Dedo!

— Não, capitão, eu não vou conseguir…

— Mostarda, eu preciso que você fique aqui! Encaixe os braços sobre o leme e firme bem as pernas, como se estivesse empurrando!

Ele assumiu a posição, eu o ajudei a encontrar o equilíbrio. Desci correndo para socorrer Chinelo de Dedo, estava com uma ferida feia entre o lado direito e a perna direita. O navio estava um caco.

Arrastei Chinelo de Dedo para uma cabine, pedi para que um marujo segurasse forte um pano sobre a ferida e voltei para ver o que podia fazer para evitar o naufrágio. Segurei as amarras que estavam com Chinelo de Dedo e me virei para ficar de frente para Mostarda. Ele estava lá, intacto, segurando o leme.

Trovão.

-.-.-.-

 

Todos estavam em seus lugares, mas o barco dos empenhados também tinha sido atingido por alguns raios, tinha muita madeira espalhada pelo convés. Seria muito fácil cair no mar, pois havia várias falhas nos cercados laterais. Felizmente, não havia ninguém ferido.

Prendi o leme com uma corrente que havia por ali e desci para estar com os marujos. Fiquei próximo a um marujo com quem ainda não tinha conversado. Pé Grande estava a poucos metros dali. O marujo me disse:

— Como pode o mesmo Criador de coisas tão belas como as baleias, ser também o responsável pelas tempestades furiosas?

— Pois ele é belo e amoroso, mas também justo e de santa ira. E, ainda, misericordioso, pois todos estamos vivos.

— Mas como podemos agradá-lo se está tão furioso conosco?

— Há um representante dele aqui…

Neste instante, vi Barba Rala do outro lado do barco, escorregando pelas falhas do cercado, indo em direção ao mar. Gritou:

— Cotovelo!

Este logo largou as amarras e estendeu o braço para Barba Rala, puxando-o de volta ao barco. Pé Grande gritou:

— Aeeeeee Cotovelooooooo!

E todos os marujos deram um grito de aprovação.

A tempestade estava acabando, o mar já não estava tão agitado e uma chuva fina se fixou por um bom tempo. Voltei a ouvir o som da trompa.

 

11

 

— Conseguimos, capitão, estamos quase nos Portos Altos, veja! — disse Verde Xadrez.

— Muito bom, marujos! — eu disse, dando um leve abraço nos dois.

Por incrível que parecesse, aquele era o navio menos estragado dos três. Ainda notei a ausência de cerca de metade da tripulação e, de repente, um marujo saiu correndo de uma das cabines acompanhado de uma fumaça preta:

— Fogo! Queijo Mole colocou fogo lá embaixo!

Corri até a cabine, mas não consegui entrar por conta da densa fumaça preta. Olhei para os Portos, estavam muito próximos, mas o fogo começou a se alastrar pela madeira, embora ainda houvesse a chuva fina. Não sabia se o barco conseguiria atracar.

— Marujos, escutem! Quero que peguem as boias que estão no convés e pulem. Vocês sabem nadar?

Os dois fizeram sinal afirmativo com a cabeça.

— Ótimo! Creio que conseguirão alcançar os Portos Altos. Chegando lá, quero que procurem por Pé Grande e Barba Rala, marujos do outro navio. Tenho certeza de que os receberão bem.

— E os outros marujos do nosso navio, capitão?

— Avisem a todos aqui em cima que vocês vão nadar até os Portos. Talvez alguns os sigam, mas a decisão é deles… Entendeu, Verde Xadrez?

Ele me olhou confuso e disse:

— Meu nome é Tiago, mas tudo bem o senhor me chamar assim, capitão.

Retribui-lhe o olhar de confusão, mas lhes disse:

— Vocês não precisam mais me chamar de capitão, podem me chamar de amigo. Dei um forte abraço nos dois marujos e os vi indo pegar as boias. Ouvi o barulho pela penúltima vez.

-.-.-.-

Achei estranho o barco dos indiferentes estar longe dos Portos Altos e o estrago da tempestade era assustador. Procurei por Mostarda e seu amigo. Encontrei-os na cabine onde havia deixado Chinelo de Dedo, havia dez centímetros de água de altura. Mostarda chorava sobre o amigo:

— Não vamos sobreviver, capitão! Estamos afundando!

Chinelo de Dedo respirava com dificuldade, mas fiquei aliviado por estar vivo.

— Mostarda, ainda há uma esperança. Notei que o bote de emergência está intacto. Vou ajudá-los a descer e você poderá remar até os Portos Altos.

Enquanto eu pegava Chinelo de Dedo no colo, perguntei onde estavam os outros marujos, mas Mostarda não soube responder. Depois de ter colocado o ferido dentro do barco, olhei para Mostarda:

— Estou muito orgulhoso por você não ter desistido. Você foi ótimo segurando o leme durante a tempestade. Quando chegar aos Portos Altos eu quero que você procure por aqueles que servem ao Comandante Logos, entendeu? Eles cuidarão de vocês e, então, terão descanso.

Mostarda me abraçou e pude ouvir uma voz bem fraquinha vinda do bote de emergência:

— Obrigado, capitão!

Desci o bote de emergência e, enquanto via Mostarda remar devagar, avistei de longe Verde Xadrez e Canivete Suíço nadando acompanhados de mais três marujos do barco em chamas.

Fechei os olhos ao ouvir o mesmo som do começo.

 

-.-.-.-

 

Abri os olhos e estávamos a alguns minutos de atracar nos Portos Altos. Virei para Pé Grande e disse:

— Acho curioso estar com vocês no momento da chegada.

— Era o nosso desejo que o senhor estivesse conosco neste momento, capitão.

— O que vão fazer quando chegar lá? — perguntei.

— Vamos procurar por capitães que servem ao Comandante Logos — disse Barba Rala.

— Como você sabe sobre ele? – Perguntei espantado.

— Por este broche que o senhor carrega no peito.

Olhei do lado esquerdo do meu peito e vi um pequeno broche em forma de âncora, onde estava escrito “Serviço a Logos”.

O barco começou a atracar ao som de vivas e abracei cada marujo que saía. Todos sãos e salvos. Inclusive Cotovelo, que parecia estar muito melhor do que quando o conheci. A garganta engolia riso e choro.

Vi Mostarda chegando e sendo acolhido por algumas pessoas, que fizeram o mesmo pelos marujos que vieram nadando.

Olhei para o relógio e ouvi o despertador.

 

-.-.-.-

 

Acordei assustado, mas motivado a ir para o trabalho. Quando cheguei lá, entrei na sala, vi muitos meninos e meninas conversando e logo reconheci os rostos de alguns marujos. Tiago estava vestindo uma camisa verde xadrez e, ao seu lado, estava Canivete Suíço, que, é claro, era o Pedro o tempo todo.

— Bom dia, turma! A aula de hoje será sobre…


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