[Concurso de contos] O senhor das palavras, de Kamilla Dourado

[Concurso de contos] O senhor das palavras, de Kamilla Dourado

Quando o box Um ano de histórias, do reverendo Emilio Garofalo, foi lançado, a Thomas Nelson criou um concurso especial para os apaixonados por ficção cristã. Os participantes deveriam deixar a criatividade fluir em histórias de qualquer gênero literário — sci-fi, romance, epistolar, mistério, policial, fantástico, etc.

Depois de ler textos criativos e analisar cada um deles, a equipe da Thomas Nelson e o autor selecionaram 3 contos de ficção cristã para serem publicados aqui no blog da editora. 

Abaixo você confere — e se inspira — com as histórias vencedoras:

 

Conheça o conto "O senhor das palavras", por Kamilla Dourado

Eu já fui o ser mais sábio deste mundo. Sábio não, talvez o mais inteligente, porque há uma grande diferença entre as duas coisas. É possível ser inteligente sem ser sábio; já ser sábio, sem ser inteligente, eu duvido. Mas deixemos essa treta para outra hora, às vezes, o velho eu quer dar uma palhinha, e aí a confusão acontece.

Falar sobre quem eu era pode não ser o melhor jeito de começar a contar uma história; mas não é a minha história que importa, é um ponto específico dela, o que me fez ser quem eu sou hoje. Sou muito menos do que achei que era. Não, não fico triste por isso. Este negócio de ser o mais, o melhor, é muito superestimado e muito pesado. Porque além de carregar a mim mesmo, preciso carregar um balão inflado, imenso e oco. Calma, você já vai entender.

Ah, mas voltando ao início... você quer saber qual era a minha grande expertise? A que me fez achar que eu era o ser mais sábio – ou seria inteligente – da Terra?

Pois bem, eu conhecia todas as palavras do mundo! Sim, todas as palavras, em todos os seus estados físicos e tempos, do líquido ao gasoso, do futuro do presente ao pretérito mais-que-perfeito. “Peraí, acho que você está exagerando. Palavra tem estado físico?” é o que você deve estar pensando. Só posso te dizer que já acudi palavra que estava se afogando nela mesma.

Continuando. Conhecia as palavras de todos os idiomas, inclusive. Do português ao inglês, do grego ao japonês, do árabe ao coreano, passando ainda pelo lituano.  Ah, me ver falar alemão, era uma coisa wunderbar – maravilhosa – de se ouvir. Demorei a dominar o mandarim, mas fui mais forte que aquele valente com os seus guerreiros milenares e dragões virtuosos.  De tom em tom, de ideograma a ideograma, domei o idioma. ma[1], que pena essa história não ter som para você ouvir como são incríveis as entonações! Atenção! É importante te alertar:  não tente ler isso em casa, você pode ofender gravemente a mãe de alguém, até a sua própria. É sério! Depois não diga que não avisei.

Para falar a verdade – que é uma das palavras mais importantes e bonitas com a qual eu já me encontrei –, eu não apenas conhecia as palavras, eu sabia lidar com elas, cada uma com seu temperamento. Amansar palavra brava era comigo mesmo; fazer carinho em palavra manhosa me derretia o coração; de lágrima em lágrima, eu ouvia as que me soavam tristes e era sempre companhia para alguma que vivia encorujada em solidão.

Eu sabia de tudo sobre as palavras: misturinha para limpar palavra suja, dica para acalmar palavra agitada e até receita para apimentar palavra sem gosto – essas últimas me davam um certo trabalho, mas eu me deliciava com o resultado.

Eu brincava com as pequenininhas na gangorra e no escorregador, passava à ferro as grandes e desalinhadas, desentortava as acidentalmente amassadas e reformava as puídas, que de tanto uso acabavam perdendo o seu valor.

As palavras não eram simples palavras para mim, sabe? Eu as sentia com tato, olfato e paladar. Elas me causavam sensações no corpo inteiro. Ao simples som da palavra sílfide, por exemplo, pronunciada por um alguém qualquer, eu via partir do remetente um raio reluzente, brilhante e estonteante, mas que levitava quando alcançava a sílaba tônica e se dissipava pelo ar.

Algumas palavras eram mais óbvias e menos agradáveis. Até hoje eu evito falar lesma; é uma palavra que sai lentamente, quase não querendo sair, e que ao final escorrega da língua, causando-me arrepios e náuseas. Pote e bote são palavras encapsuladas, que saem de uma vez só em uma única pancada.

Posso te dizer, por infinitas experiências e experimentações, com toda base empírica que reuni nesses séculos de aprendizagem, que para longe das suas classificações como substantivos, verbos, advérbios, predicativos e o escambau – um momento, preciso recuperar o fôlego, embora pareça despretensiosa, essa palavra me arranca o ar de tanto que me faz rir –, as palavras têm cor e gosto. E aí, elas nos pregam peças.

Amora não tem o mesmo gosto da fruta, não tem, não. Como palavra, ela é adocicada do início ao fim, chega até a ser enjoativa. Aí eu prefiro o gosto da fruta original, com aquele leve azedinho no final.

E amarelo? Para mim, a palavra está mais puxada para um dourado, do que a cor da mancha de manga na manga da camisa. Mas ela se ofende se você a chamar de – shiii, vou falar baixinho – sem graça. Ah, você perde uma amiga para sempre! Ela fica tão irritada que chega a ficar avermelhada.

Sem dúvidas, a palavra vermelha é mesmo vermelha. Hum… Vermelha, vermelha, vermelha, vermelha, vermeeeelha...  Se você a chamar repetidamente, ela vai perdendo o sentido, se tornando uma palavra estranha, quase desconhecida, mas aí você olha para ela de novo e está lá, toda vermelha. É que, ao contrário do que pensam, ela é tímida.

O meu dia a dia era com elas, as palavras, conversando, as mimando, aprendendo, ensinando, colecionando bons momentos.

Nas manhãs ensolaradas, antes mesmo de abrir os olhos, sentia os seus cheiros, vozes e gostos.

Nas tardes quentes, nós íamos colher abacates verdes para comê-los de colher.

Nas noites chuvosas, de gota em gota, elas se ajuntavam em minha porta e entravam como enxurrada para beber chocolate quente e ouvir histórias sobre palavras desconhecidas.

Sobre as palavras desconhecidas, as minhas preferidas eram os neologismos, formados sem se saber como e sem ter exatamente um porquê. Eram palavras que surgiam de uma escorregada, de um acidente provocado por um esbarrão ou até mesmo pela tentativa de exprimir algo para o qual ainda não tinha sido inventada. Já ouviu falar em ensimesmudo? Só Guimarães Rosa explica essa.

Já viram que eu manjava dos paranauê, né? Tal sapiência, ou inteligência, me fizeram conhecido e aclamado. Chamavam-me para ouvir o meu veredicto sobre qualquer discordância, fosse em poesia, prosa, crônica, conto ou fábula. A minha palavra era a final, mesmo que fosse uma novela. Daí o meu nome, e o título que ganhei. Oh, que falta de educação a minha, já estou no meio da história e ainda nem me apresentei. O meu nome é Verbete, eu era conhecido como o senhor das palavras – ai, ouviu só o estalo? Não tenho mais idade para me curvar e fazer mesuras, desculpe-me, mas vou deixar a reverência para outra hora. Por que eu não sou mais conhecido assim? Calma, é aí que eu estou querendo chegar, não posso dar spoiler, fiquei sabendo que é superdeselegante.

Eu sei o que você está pensando agora, ou talvez não, porque onisciência não é a minha praia. Como um intitulado senhor das palavras, tenho uma fala malemolente – não consigo segurar a cintura ao falar essa palavra brasileiríssima que pode tanto te levar para dançar quanto pode te fazer dormir. Hoje, pareço-me mais com quem eu era no início do que com quem eu era no final. Não se atente à minha expressão melancólica e taciturna, não é por nada que eu já disse, é pelo que eu vou dizer a seguir.

Eu sentia um orgulho tremendo do meu ofício. No início era mistura de orgulho com contentamento, que se transformou em uma autoestima um tanto quanto elevada e acabou em um ego completamente inflado. Eu era até capaz de fazer boas ações, mas com o coração endurecido pela soberba, apenas para que tecessem comentários elogiosos, eles eram ar quente para o meu balão. Não sei em que ponto da curva (se é que curva tem ponto) que me tornei assim. Foi tão aos poucos que não me dei conta, mas já não me bastava ser sábio, ou inteligente, conhecedor, bom orador. Só me reconhecia se fosse o mais sábio, ou o mais inteligente, ou o mais conhecedor, ou o melhor orador. Eu não cabia em lugar nenhum, havia me tornado um ser grande demais. Para me elevar, citava palavras nobres e difíceis, carregadas de acentos e flexões, que faziam o meu linguajar bonito – superficialmente –, mas, ao fazê-lo, deixava as palavras tontas de tanto girar para se encaixar no que eu queria falar. A palavra falar, por exemplo, ficou toda enrolada e até distendeu um músculo para se acomodar em uma mesóclise que eu queria pronunciar. Ai, coitada!

A minha soberba e orgulho foram crescendo, tomando o espaço que estava inflado em meu ego e se alastrando como fake news em grupos de whatsapp. Eu já não me preocupava em falar e ser entendido, para que facilitar, se eu podia me gabar? Eu me tornei o maior de todos os exibidos. Era tanto que até a palavra exibida se sentiu ofuscada por mim. Algo contraditório acontecia, e só consegui notar depois: quanto mais eu tentava brilhar, mais escuro eu ficava, como um astro que não tem luz própria tenta refletir, em vão, a luz de uma estrela que já se apagou.

Aproveitei o conhecimento que tinha e fui usando as palavras ao meu prazer, já não as servia mais, elas que serviam a mim. Fui enfeitando umas, dourando outras, distorcendo várias.

O primeiro sintoma de que algo não ia bem apareceu quando as palavras sumiram; como eu não ia mais a elas, elas pararam de vir até mim. O encorujado agora era eu. Pararam, também, de chegar os convites para as festas e os bailes; deixei de ser chamado para os saraus e recitais, nem mesmo para mediar as disputas de trava-línguas que rolava debaixo do Salgueiro Frondoso todo sábado pela manhã. Como eu amava a competição! As palavras se engalfinhavam, alongando-se e flexionando-se até que o menos desastrado vencia a disputa. Era a coisa mais engraçada de se ver. Engana-se quem acha que o mérito do trava-linguista é ser o mais desenvolto.

Ninguém me consultava ou pedia um conselho, nenhuma palavra requeria reparo ou receita e todos começaram a ter medo de mim. Snif. Só um momento, preciso enxugar essa lágrima marota que escorreu sem eu notar. Continuando... E eles tinham razão, eu comecei a achar que tudo era tão óbvio que não tinha tolerância e paciência para ensinar, responder ou acolher. Os poucos corajosos que ainda tentavam se aproximar eram afastados com onomatopeias que criei apenas para me servirem de cães-de-guarda. A paciência, minha palavra amada, até ela quase desistiu de mim. E ela é, verdadeiramente, em todos os seus sentidos e modos, deveras paciente.

Primeiro, dominou-me a sensação de ingratidão, depois a incompreensão, até que fiquei ilhado em meu próprio conhecimento. Ah, de que vale conhecer tudo se não há com quem partilhar? Cansei de me sentir sozinho e fui me ajuntando às palavras feias, palavras más, palavras indigestas, aquelas que vivem na deep web e deveriam ser impronunciáveis. Por elas, fui seduzido, a ponto de não saber como dizer não ou até o que dizer, logo eu, que nunca ficava sem uma palavra na manga.

No início era até divertido. Fui conhecendo um lado meu que eu não conhecia, tudo era desafiador, aventureiro. Elas queriam me agradar, me bajular, até eu entregar tudo o que tinha e me deixarem quase na sarjeta. Eu fui me enveredando por um caminho terrível, sombrio, ameaçador, até conhecer a verdadeira face de uma palavra que eu evitava a qualquer custo. Eu sempre a observei me olhando, sendo uma companhia velada, flertando comigo à distância. Ela não andava sozinha, companhias terríveis e medonhas a escoltavam, manchava toda e qualquer palavra que resolvesse a desafiar, trabalhava para os fins mais escusos e o seu salário era a morte. Eu estava indo para o fundo de um poço sem fundo – não é modo de falar –, e ela era a mão que me empurrava mais para baixo.  Já chega, não tenho coragem e nem quero ofender você falando mais sobre ela. Só quero te alertar, ela é sorrateira e te abocanha quando você menos esperar.

Certo dia, percebi que as coisas estavam diferentes, havia um aroma diferente no ar, apurei o olfato e senti: era cheiro de novidade! Ah, há quanto tempo tão agradável fragrância não penetrava as minhas narinas? Então, fiquei sabendo de um nascimento, era uma palavra nova, na verdade, era uma Nova Palavra. Fresquinha, cheirando a pão recém-saído do forno, parecia-se com a esperança e tinha traços de liberdade.

Resolvi sair do meu esconderijo, fazer as honras e visitá-la. Na verdade, fui matar a curiosidade – não no sentido literal, hein, nunca fui tão longe a ponto de cometer assassinato.

Foi aí que se aprofundou o meu tormento.

À primeira vista, era uma palavra simples. Pobrezinha, não nasceu em berço de ouro, nasceu entre a palha e o feno, tendo as estrelas e os animais como testemunha. No entanto, ela não chorava como as palavras recém-nascidas, ela brilhava.

A Palavra era diferente de qualquer palavra que eu já tinha visto. Não era uma palavrinha e nem um palavrão. Mediana? nem pensar. Não era um substantivo, nem um advérbio, também não era uma conjunção, mas tinha ares de interjeição. Ela era superlativa, sem dúvidas.

Eu olhava para os céus e eles refletiam a Palavra, as estrelas falavam dela para a lua do anoitecer até a manhã seguinte, e, durante o dia, o sol contava para os pássaros e as nuvens sobre a sua graciosidade. A sua voz ecoava pelos vales, pelos mares, pelos oceanos, pelas planícies e pelas montanhas e alcançava até onde não se podia mais ver.

Ela gostava de brincar, e os pequeninos agora viviam ao seu redor, mas ela não era levada na brincadeira, exalava autoridade e demandava respeito sem precisar erguer a voz, e era correta até no olhar.

A Palavra gostava de rimar, mas era exigente. Ela só combinava com palavras bonitas, verdadeiras, honestas, justas, puras, amáveis e de boa fama. Pensei até que ela pudesse ser uma virtude! No entanto, ela não cabia em nenhuma, mas em todas ao mesmo tempo.

A Palavra era generosa, alegrava quem estava triste, auxiliava as que precisavam de ajuda, socorria as que estavam cansadas. E mesmo sendo uma palavra tão forte, tinha o fardo muito leve.

Ela era misteriosa, mas não portava nenhum segredo, porque em tudo o que eu olhava, ela estava lá. Quanto mais eu a via, mais me intrigava.
Busquei ajuda de outras palavras para tentar resolver o enigma; todos pareciam conhecê-la, justo eu, o senhor das palavras, não a conseguia desvendar? Mas não houve quem pudesse me ajudar a revelar a Palavra.

Imagino que, ao chegar a esse ponto, depois de tudo o que eu disse, você grite que é óbvio, que até você sabe de que palavra se trata. Mas não era óbvio para mim, porque ela é uma palavra que se enxerga com a alma e a minha estava tão nublada, subjugada pelo meu ego e turvada pela minha soberba, que tampavam a minha visão.

Ela está em tudo, mas não se revela para aquele que não quer vê-la. Esse era eu. Ela era mansa, humilde, suave e agradável, mas não precisava gritar isso aos quatro ventos, eles se encarregavam de levar a mensagem por conta própria, como testemunhas vivas da sua majestade.

E Ela foi crescendo, não só em estatura, mas alcançava uma sabedoria tal, em um nível que eu nunca conseguiria, nem quando me imaginava ser o ser mais sábio, ou inteligente, do mundo. Dia a dia, eu me sentia desafiado por ela, quanto mais me afastava mais ela se aproximava. Ela me atraia quando eu me escondia e não tinha onde ela não pudesse me achar. No entanto, nunca foi invasiva ou tentou me forçar a coisa alguma, posso garantir.

Um dia, resolvi acabar com a agonia e fui confrontá-la. Saber exatamente quem ela era e o que queria. Eu ainda era o rei do pedaço, pelo menos daquele pedaço. Ensaiei o discurso, convoquei, mesmo que a contragosto – delas – as palavras mais contundentes para me ajudar a guerrear.

Eu olhei a Palavra e ela olhou para mim. Eu me coloquei à sua frente, ela se levantou. Eu enruguei a testa, ela arqueou as sobrancelhas. Em uma última tentativa de intimidação, eu fechei os punhos, me coloquei em posição de ataque e quando estava prestes a avançar, ela abriu os braços e sorriu para mim, e os seus olhos tinham luz e eles eram bons.

Eu estaquei, o meu olhar ficou congelado, as minhas pernas não me obedeciam, sua luz me ofuscou e ela me desmontou, literalmente. Eu sentia pedaços e cacos caindo de mim, como a casca do ovo se quebra ao nascer de um passarinho ou como o barro “craquela” ao ser exposto ao sol quente.

Os meus ouvidos se abriram para ela. Que grande espanto ao ouvir a sua voz, potente como um trovão, mas suave como uma canção de ninar.

Eu me prostei perante a sua grandeza, envolta em tanta gentileza. Que doce brisa saía de seus lábios, aliviava o meu temor. Então, tomei coragem e me inclinei em sua reverência. Em meu coração, pulsava a vontade urgente de saber. Por isso, disse:

— Quem é você?

— Eu sou o pão vivo.

— Hum, então você é uma comida? — Apertei os olhos em tamanha expectativa.

— Eu sou a videira.

— Videira, uva, vinho! Então só pode ser uma bebida.

— Eu sou a luz do mundo.

— Você não me parece um Astro celeste. Se bem que o Sol já te conhece.

— Eu sou a porta — ela me respondeu, já achando graça das minhas investidas. Mas eu estava sendo sincero em minhas suposições. Juro.

— Você seria uma casa? — falei, meio sem querer falar.

Já começando a me sentir ridículo, eu parei de perguntar. Estava tão acostumado a falar, a inferir, a deduzir, a determinar, que então me curvei, não só para ouvir, mas para escutar.

Nos seus olhos havia bondade e fogo; em suas mãos, poder e proteção, os seus pés eram como flechas certeiras que sabiam exatamente para onde se dirigir. Eu sacudi o restante da poeira da minha pele e a olhei profundamente. Ela me sondava, e eu sabia que me conhecia mesmo antes de eu ser formado. Ela lia os meus pensamentos. Ainda não havia palavra alguma em minha língua, mas ela já sabia o que eu iria falar.

— Eu sou o caminho, eu sou a verdade, eu sou a vida — disse-me, então soprou as palavras em mim. O doce ar penetrou as minhas narinas, preencheu os meus pulmões. — As palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida.

Então, eu pude, enfim, respirar. Não como um atleta cansado que busca o ar para se refazer, mas como um bebê que precisa dele para sobreviver.

Quando eu já não mais via, a Palavra foi lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho.

— Você quer saber quem eu sou? — A essa altura, eu nem mais sabia o que falar —.  Eu poderia me revelar de várias outras formas, mas, para você, escolhi me revelar também por meio das palavras. Eu sou a última e a primeira letra de todas elas. Eu estava presente quando todas foram criadas e antes mesmo de elas existirem, eu já as conhecia. Aqui neste mundo, eu tenho outros nomes. Você pode me chamar de: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz.

Eu fiquei atemorizado, mas também maravilhado. Aquele que era a Palavra estava no mundo. Agora eu a conhecia, não só de ouvir falar, mas de vê-la com meus próprios olhos.

Ela não era uma comida, mas matou a minha fome; ela não era uma bebida, mas saciou a minha sede; ela não era um Astro celeste, mas foi a luz que iluminou as trevas que me cobriam; ela não era uma casa, mas fez morada permanente em meu coração.

A Palavra, meus amigos, era o Verbo, e o Verbo era Deus e o Verbo estava com Deus. O seu nome é Jesus.

Desde então, eu abdiquei do meu título de ser o senhor das palavras para ser servo da Palavra que deu vida ao mundo.

 

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[1]  O trecho faz parte de um trava-línguas chinês e, em português, significa “a mãe xingou o cavalo”. Como o mandarim tem quatro entonações, um “ma” com a entonação errada muda todo o sentido da frase, e a mãe pode ser chamada de cavalo.


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